"Tudo é FC" - Onde está o erro?
O Lúcio e o Octávio defendem que tudo é FC com base na ideia de que FC é toda a ficção que se debruça sobre ciências, sejam elas quais forem, o que acaba por incluir tudo.
Esta ideia é errada.
Não porque só sejam ciências as disciplinas sujeitas a experimentação. Essa é outra ideia errada e já há muito desacreditada, que associa o científico à capacidade de experimentar e à repetibilidade da experiência e dos seus resultados. Um exemplo bem claro é o uso transversal, em praticamente todos os campos do conhecimento, desde a física à economia e à história, de métodos de análise estatística e numérica. Ciências anteriormente sujeitas aos problemas metodológicos decorrentes da subjectividade da interpretação pessoal, como por exemplo a história, procuram hoje o rigor proporcionado pelo cruzamento de dados e pela integração de dados sólidos provenientes de disciplinas menos etéreas (a biologia, a arqueometeorologia, a química, etc.). Ou seja, a ideia dos nossos amigos brasileiros não é errada pelos motivos que o Seixas avançou. Mas é errada.
E é errada porque o raciocínio do Lúcio segue o caminho inverso ao que deve seguir. O Lúcio pega no nome, Ficção Científica, decompõe-no nas suas partes e analisa o resultado dessa decomposição para tentar saber o que é que o nome designa. A realidade, porém, é que bem antes do nome havia já FC, e que esta expressão foi colada pela indústria editorial norte-americana, após várias tentativas, a uma corrente literária que já existia anteriormente, e que já estava, mesmo, solidamente implantada.
Ficção Científica, portanto, é o que é, e sê-lo-ia com este ou com outro nome qualquer.
Ou seja, é inútil e errado tentar definir o género a partir do nome que lhe foi posto. Nesse erro incorreu o Jorge P. Pires, no mesmo erro incorreu o Octávio Aragão, no mesmo erro incorreu o Lúcio Manfredi e no mesmo erro incorreu o João Seixas. O nome é arbitrário, o género não.
E que é o género? Não é, como o Seixas diz, literatura que obedece ao método científico. Esta ideia, aliás, é paradoxal: como pode existir ficção sujeita (com seriedade) ao rigor dos vários métodos da ciência? Não se pode fazer experimentação com ficção, não se pode obter dados numéricos com ficção, não se pode fazer análise estatística com ficção, não se pode fazer nada com ficção excepto especular. E especulação não é ciência nem tem nada a ver com o método científico para além de constituir com frequência a fase prévia à elaboração de hipóteses sólidas. A únca forma de aplicar o método científico à literatura é na análise, não na criação. E já nem falo, por achar inútil por tão óbvio, daquilo para que a ficção serve realmente: contar histórias.
Ou seja, o erro é outro.
É, muito simplesmente, que uma boa parte da literatura é desprovida de insólito. Não há insólito no romance psicológico, não há insólito em romances sobre descobertas científicas reais, não há insólito no romance histórico, não há insólito em toda a literatura que não é fantástica. A ficção científica, sendo parte da literatura fantástica, inclui um elemento de insólito; a literatura não-fantástica não. Conclusão evidente: nem tudo é FC.
E chagado a este ponto, remeto-vos para este post. O modo como eu separo a FC do resto da literatura fantástica está aí explicado, julgo que claramente, e não tem relevância para a anulação do argumento de que tudo é FC, que é o objectivo deste post.
Julgo tê-lo feito.
0 Comentários:
Enviar um comentário
<< Principal