Sterling In Love
(Luís Filipe Silva)
É comum mas desequilibrado o casamento da política com o amor, pois na verdade tratam-se de duas paixões, ou talvez de duas formas de estar na vida, uma que se preocupa com o colectivo e conjuntural, outra que se foca no íntimo e permanente. É comum na medida em que é fonte de inspiração para os romances cor-de-rosa o envolvimento com alguém que ordena e fala com grandiloquência e no geral detém uma chave mágica para reinos de descodificação de poder, sendo que a heroína é sempre aquela que conhece o grande político inspirador na sua dimensão humana. Com a excepção de Gandhi, na qual a dimensão humana estava de facto na política, a sua verdadeira força, mas não falemos daqueles que perturbaram o status intocável da civilização ocidental...
Um status muito abalado nos últimos tempos. Em particular, pelas figuras de proa. Instituições e acordos que não têm mais força internacional que clubes de escuteiros.Cowboys ao volante de batalhões. As grandes ideologias em conflito. E no meio de tudo a dimensão humana.
Talvez seja o ridículo da situação. Talvez o sentimento internacional de impotência perante defensores da democracia que se fazem de surdos. A verdade é que Bruce Sterling, um autor conhecido pela capacidade de análise dos motivos verdadeiros (leia-se: $$$$) que estão na base da investigação científica, dos movimentos culturais, das decisões políticas e, digamos, de tudo o mais que comanda a nossa vida, fez com «In Paradise», um conto não de análise política mas um romance cor-de-rosa, uma história de amor contra-tudo-e-todos, up yours, Western world, entre um americano e uma iraniana (ainda por cima, mais jovem!). A sua única entrada neste território tinha sido com "Dori Bangs", uma história alternativa sobre um amor que não chegou a acontecer.
Na sua conhecida mistura e subtileza de tecnologia e cultura, em breves páginas mostra-nos o mundo daqui a muitos poucos anos, tece comentários mordazes sobre a verdadeira força do mundo islâmico ("There are a billion Moslems. If they want to turn the whole planet into Israel, we don't get a choice about that."), e muito subtilmente critica a paranóia dos líderes (americanos e iranianos no mesmo saco) contra a vontade de união dos amantes (os povos).
In paradise é onde os amantes estão, onde sempre estarão. Tudo o resto é que é virtual.
(Este conto encontra-se na antologia The Year's Best Science Fiction, de Gardner Dozois (Amazon americana, Amazon inglesa). É editada todos os anos, pelo que sigam o link indicado para a edição de 2002).
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